Antes de se falar sobre os Dons, é preciso compreender nossa relação com
Deus. Deus quer ser experimentado. É
inadequada a ideia de conhecer a Deus. Mal comparando, é como um vinho
nobre e raro. De nada vale dizer ou saber dele, é preciso experimentá-lo.
Eu costumo concordar com os agnósticos, ateus e incrédulos. É impossível
conhecer a Deus (gnose =
conhecimento; agnóstico = não
conhecer). Talvez, esses ditos “infiéis” estejam mais perto do Deus verdadeiro,
do que aqueles que juram conhecê-Lo.
O experimento de Deus não vem da razão ou das ideias. Também, não vem de
fora para dentro.
Isto seria inverter tudo. Seria criar um deus a nossa imagem
e semelhança. Não raro o fazemos.
Muitas vezes criamos um deus: mágico,
vingativo, egoísta, professor, escravo, gênio da lâmpada, torcedor fanático do
meu time e vai por aí...
A chave para encontrar a Deus é encontrar primeiro a si mesmo.
Somos Templos do Espírito Santo
Deus está no interior e não do lado de fora. Manifesta-se de dentro para
fora. Já ouvi muita gente dizer de peito aberto:
- “Somos templos do Espírito Santo”.
Mas, com todo respeito, soou estéril. Apenas palavras. Às vezes dourada
de boas intenções, outras, nem tanto. Pareceram mais um argumento de repreensão, de discriminação
ou de fanatismo. Não irradiava convicção e vivência interior.
Mas, voltando aos Dons, precisamos
experimentá-los, senti-los, saboreá-los, deixá-los criar volume e colorido.
Como nas Bodas de Caná: “sirvamo-nos do melhor do melhor vinho”.Os Sete Dons
A rigor, em vez de dons, deviríamos chamar de Dádivas de Deus Despertadas pelo Espírito Santo.
Também não são
apenas sete. Paulo elenca nove (1Cor 12,8).
O numeral sete tem vários significados na cultura semítica. Sete pode
significar obra completa. Deus fez o mundo em sete dias. Pode ser considerado
um número indicador de infinito:
devemos perdoar setenta vezes sete (Mt 18,22). Prefiro esta: são infinitos.
Didaticamente, podemos nos valer da tradição herdada dos portugueses:
sete dons. São eles (coloquei-os propositalmente na ordem alfabética inversa):
· Temor de Deus;
· Piedade (Espiritualidade);
· Inteligência;
· Fortaleza;
· Ciência;
· Bom Conselho.
Nem todas as culturas cristãs celebram estes sete dons tal como acontece
aqui no Brasil. Porém, estes sete oferecem uma boa síntese para compreendê-los.
Os Dons do Espírito Santo São Inatos
“Façamos o homem à nossa imagem e semelhança... Deus os criou; homem e mulher os criou” (Gn 1,26-27).
Duas palavras se destacam: imagem
e semelhança.
Como disse no início, precisaremos
experimentar e nomear nossas sensações interiores. Mas, de que modo posso
sentir a experiência de ser a imagem de Deus?
·
Posso sentir Deus na harmonia, na
precisão da vida, na beleza... Mas, e dentro de mim?
·
Em muitos momentos já senti fazer
coisas ou dizer palavras vindas de algum lugar além de mim? Tempos depois, perplexo, pude dizer: como consegui
dizer (ou fazer) isso ou aquilo?
De algum modo, a experiência de Deus está presente na vida de cada um.
Ela desperta uma sensação transcendente.
Esta constatação, de que temos uma componente transcendente
(espiritual), nos permite afirmar: somos seres
espiritualizados. Assim como Deus o é, temos então alguma aparência divina.
Houvesse um espelho apropriado, poderíamos visualizar esta imagem de Deus em
nós.
Ela se traduz em valores potenciais e universais: Amor, Solidariedade,
Bem Comum, Acolhida e infinitamente outros. O que isso tem a ver com os dons?
Muito. É nessa dimensão transcendente
o lugar onde residem todos nossos dons. A auto descoberta (auto, porque só eu
posso descobrir), a tomada de posse e o crescimento desses valores nos darão,
cada vez mais, a aparência divina. O projeto é: deixar crescer e se tornar
evidente em mim a imagem de Deus.
Jesus – Verdadeiro Homem
Mas Deus também se fez homem.
Homem, de natureza humana, tal como cada um de nós, na pessoa de Jesus
Nazareno. Jesus não se fingiu de humano, se fez homem verdadeiro. Jesus
concretizou a plenitude da outra palavra: semelhança.
Blasfêmia poderia dizer algum fundamentalista. Falta de humildade, dirão
outros. Será? Acaso tal assertiva não veio do texto Sagrado? Lá bem claro, é só
ler: façamos... semelhante.
Voltando à pergunta: sim, em vários momentos já percebi semelhanças de
Deus dentro de mim e de muitas outras pessoas. Obviamente, semelhança não
significa igualdade. Entre elementos semelhantes, há diferenças de quantidade,
amplitude e qualidade, dentre outros paramentos.
Mas. quando ocorre essa sensação de semelhança? Quando me sinto amante,
solidário, justo, verdadeiro, leal, bondoso e outros sentimentos positivos.
Da mesma forma, posso perceber semelhantes a Deus pessoas que encontrei
pela vida. Outras, onde essas sementes são muito evidentes, foram consideradas
santas pela igreja católica. São citadas como exemplares pelos feitos
realizados.
A Constatação dos Traços de Deus no Ser Humano
“Por que me chamas de bom? Só Deus é Bom.” (Mc 10,17).
Aí está. A bondade plena está em Deus. Então o jovem conhecia a bondade
e a reconhecia em Jesus – semelhança.
Esta virtude, a bondade, não é adquirida. Vem de dentro. Podemos
afirmar: faz parte da natureza humana.
Em qualquer lugar, tempo e cultura a bondade é aceita e reconhecida como
valor. É filha direta do amor. Deus é amor.
Esta e outras tantas virtudes estão escritas indistintamente no interior
de cada ser humano.
“Dias virão em que firmarei nova aliança...
Incutirei minha Lei, gravá-la-ei em seu
próprio coração. Serei o seu Deus...“ (Je 31,31;33).
O texto vai além:
“Então, ninguém terá encargo de instruir seu próximo ou irmão, dizendo:
“Aprende a conhecer o Senhor”, porque todos me conhecerão, grandes e
pequenos...” (Je 31,34).
O que isso significa? Significa que a
conduta humana deve ser pautada pela Lei imposta pelo Criador em cada pessoa.
Vem de dentro e não de fora. É inata.
A pessoa humana tem em si todos os
ingredientes necessários para ser feliz e viver em plenitude. Esta conclusão é
basilar da psicopedagogia humanista (Maslow, Rogers, Rochais e outros).
Como Perceber Esses Dons
Aí é a vez de o Espírito Santo atuar. É
Ele quem as ilumina, faz luz sobre elas de modo a nos instruir com a melhor
maneira de viver bem e ser feliz.
O Espírito de Deus atua em nós como uma
bússola interior. É ele que dá a direção para melhor caminharmos na estrada da
vida.
E como eu posso perceber essa luz e
interpretar sua direção?
Simples – Deus é simples - é aquela
intuição profunda que me faz ficar em paz, bem comigo e com o meu entorno
humano.
Para permitir a boa leitura dessas
intuições entram os Dons do Espírito Santo.
(Até a próxima)