Pode Deus morrer? Certamente não. Até incrédulos admitem isto. O conceito de divindade é de plenitude, de infinito. Se for infinito, é também eterno. Logo, Deus não pode morrer. Se morresse, não seria Deus.
Então, o que se celebra na sexta-feira da paixão? Na verdade, é um dia para se experimentar a ausência de Deus. Este é o verdadeiro significado da penitência, do jejum e da abstinência. Tanto é que a igreja católica considera um dia não litúrgico. Em qualquer parte do mundo não se celebra missa[1].
Então, o que se celebra na sexta-feira da paixão? Na verdade, é um dia para se experimentar a ausência de Deus. Este é o verdadeiro significado da penitência, do jejum e da abstinência. Tanto é que a igreja católica considera um dia não litúrgico. Em qualquer parte do mundo não se celebra missa[1].
Mas, jejuar e abster-se de que? Aí está o sentido. Não se trata de sofrer, mas de sentir a falta de Deus. Deus não quer sacrifícios, quer conversão. Temos uma natural tendência de parar no sofrimento do Cristo. Mas, isso não basta. Poderíamos correr o risco de nivelá-lo a qualquer outra pessoa vitimada por morte cruel. Ficaríamos apenas no sentimento de pena e de dó. Cristo seria apenas mais um mártir entre outros tantos.
O paradoxal da paixão foi o confronto entre a plenitude da humanidade em Cristo e a total desumanidade de seus algozes. Na solidão da cruz Ele sentiu até o abandono do Pai. Suas palavras soam no original aramaico por milênios: “Eloí, Eloí, lamá, sabactani?” que, traduzido, significa: Deus, Deus, por que me abandonaste? Aí está: “A ausência de Deus”.
Enquanto o Cristo permanecia fiel ao caráter da natureza humana: com amor (“não chorem...”), fé (“Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” – mesmo se sentindo abandonado), perdão (“eles não sabem o que fazem”), solidariedade (“hoje mesmo estará comigo”) e todas as demais características do verdadeiro homem em plenitude, apoiado nas sementes divinas da essência do humano – qualidades universalmente aceitas, independente do tempo, do lugar ou da cultura.
Da outra parte, seus algozes, usaram da capacidade racional de criar, associar, julgar... para se tornarem pior que os irracionais. Nenhum animal seria capaz de cometer tantas crueldades. Só o extremo da desumanidade poderia crucificar alguém – a pior das mortes até hoje conhecida.
As virtudes próprias do humano foram relegadas: o amor, a solidariedade, a justiça, o gosto pela verdade, o afeto, a lealdade, a defesa da vida, o diálogo em igualdade, a paridade de armas e tantas outras.
Este seria um bom jejum. Em vez da expressão triste da fome ou da hipocrisia da abstinência – ou o “sacrifício” – de se alimentar com sofisticados frutos do mar (bacalhau, camarão...), melhor seria experimentar e sentir a ausência de Deus.
Basta viver momentos de solidão e experimentar a sensação da falta de relações, dos amigos, de pessoas queridas, de não ter com quem falar. Sentir o que seria um mundo sem amor, sem afeto, sem solidariedade, sem justiça, sem a verdade e sem...
Infelizmente, a experiência da perda é que nos faz sentir o valor do que se foi. Acostumamo-nos com nossas verdadeiras riquezas e deixamos de lhes dar o merecido valor. Esquecemo-nos dos tesouros semeados em nosso íntimo e vamos buscar a felicidade em outro endereço fora de nós mesmos.
A paixão de Cristo nos convida a olhar para o mal e ao mesmo tempo perceber o “bem” que faltou. Hoje, lamentavelmente, a ausência do bem, ou seja: características profundamente humanas - caráter no estrito senso – tem aberto uma lacuna cada vez maior, preenchida pelo mal. Lembrando o velho Einstein: “A escuridão nada mais é do que a falta de luz”.
Este é o sentido da sexta-feira da paixão: sentir a falta que nos faz os valores divinos que nos tornam humanos. Humanos até o fim como Cristo o foi.
Deus não morreu! Jesus Homem morreu naquele dia pela falta de humanidade. Na Páscoa, Ele ressurge e nos dá a certeza da restauração de um novo tempo a partir de cada pessoa que crê em si e nas sementes de Deus que nela estão.
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