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16/03/2014

A TRANSFIGURAÇÃO (Mt. 17,1-9)

O texto nos remete a dois momentos. No primeiro Mateus relata a visão do Ressuscitado. 
Tal como no Apocalipse Jesus é visto como aquele que É. O rosto como o sol e as vestes brancas como a luz. 
O sol representa a divindade. Ver o rosto brilhar como o sol significa ver o rosto de Deus. 
As roupas brancas significam a pureza. O Cordeiro de Deus sem manchas. Jesus é maior do que Moisés e Elias. É o Pastor e Profeta. 
O convite à reflexão é para hoje. Sair da simples história e trazê-la para a minha vida.
Como eu vejo esse Jesus de Nazaré? Um profeta? Um mártir? 
Até que ponto eu posso ver o seu rosto divino? 
É preciso perceber em Jesus a clareza da divindade. Sentir e contemplar o seu rosto. Mostrai Senhor a Vossa face e seremos salvos.
Divindade esta que se estende também às pessoas ao meu redor. Ver traços dessa divindade no outro. Enxergar com o coração o melhor do outro. 
E que traços são estes? 
Em primeiro lugar o amor. Depois suas consequências: a solidariedade, a caridade, a justiça, a bondade e outras milhares.
Mas, há a veste branca. As questões se repetem: até que ponto eu posso sentir e reconhecer a pureza de Jesus e da Sua mensagem? 
Como acontecem em mim, os reflexos dessa pureza? Até que ponto eu a levo ao mundo, quando amo com gratuidade, sou solidário, justo, caridoso, bondoso e tudo o mais de puro, belo, humilde e simples.

No segundo momento vem o convite à missão. É muito bom ficar na contemplação. Mas, ficar só ali pode me fazer egoísta. Isto é, querer o lado bom só para mim. É preciso descer à planície. É preciso ajudar aos demais aprender a sentir momentos de Tabor. 
Tomar a missão de humanizar o mundo sem medo."Levantai-vos e não tenhais medo". 
Entretanto, fica o alerta de Jesus. Não adianta contar nossa experiência. É preciso colocá-la na vida. 
A única maneira de mudar o outro é mudando nossas atitudes. Ele só vai perceber quando sentir nele mesmo os efeitos da Ressurreição.
Com fé, paciência e perseverança poderemos transmitir com nossos exemplos um pouco de luz e de brancura. Hoje mais do que nunca neste nosso mundo tão carente de luz e de paz.

09/11/2013

OS DONS DO ESPÍRITO SANTO
A experiência de Deus
Antes de se falar sobre os Dons, é preciso compreender nossa relação com Deus. Deus quer ser experimentado. É inadequada a ideia de conhecer a Deus. Mal comparando, é como um vinho nobre e raro. De nada vale dizer ou saber dele, é preciso experimentá-lo.
Eu costumo concordar com os agnósticos, ateus e incrédulos. É impossível conhecer a Deus (gnose = conhecimento; agnóstico = não conhecer). Talvez, esses ditos “infiéis” estejam mais perto do Deus verdadeiro, do que aqueles que juram conhecê-Lo.
O experimento de Deus não vem da razão ou das ideias. Também, não vem de fora para dentro. 
Isto seria inverter tudo. Seria criar um deus a nossa imagem e semelhança. Não raro o fazemos. 
Muitas vezes criamos um deus: mágico, vingativo, egoísta, professor, escravo, gênio da lâmpada, torcedor fanático do meu time e vai por aí...
A chave para encontrar a Deus é encontrar primeiro a si mesmo.
Somos Templos do Espírito Santo
Deus está no interior e não do lado de fora. Manifesta-se de dentro para fora. Já ouvi muita gente dizer de peito aberto:
- “Somos templos do Espírito Santo”.
Mas, com todo respeito, soou estéril. Apenas palavras. Às vezes dourada de boas intenções, outras, nem tanto. Pareceram  mais um argumento de repreensão, de discriminação ou de fanatismo. Não irradiava convicção e vivência interior.
Mas, voltando aos Dons, precisamos experimentá-los, senti-los, saboreá-los, deixá-los criar volume e colorido. Como nas Bodas de Caná: “sirvamo-nos do melhor do melhor vinho”.

                                                   Os Sete Dons
A encomenda é antiga. Há tempos uma amiga me pediu para escrever algo a respeito. A tarefa não é simples. Daria um livro, senão vários. Aliás, já tenho um na forma. Seu Título será: “O Deus Esquecido”.  Mas, por ora, vamos nos limitar aos dons propriamente ditos.
A rigor, em vez de dons, deviríamos chamar de Dádivas de Deus Despertadas pelo Espírito Santo
Também não são apenas sete. Paulo elenca nove (1Cor 12,8).
O numeral sete tem vários significados na cultura semítica. Sete pode significar obra completa. Deus fez o mundo em sete dias. Pode ser considerado um número indicador de infinito: devemos perdoar setenta vezes sete (Mt 18,22). Prefiro esta: são infinitos.
Didaticamente, podemos nos valer da tradição herdada dos portugueses: sete dons. São eles (coloquei-os propositalmente na ordem alfabética inversa):
·      Temor de Deus;
·      Sabedoria;
·      Piedade (Espiritualidade);
·      Inteligência;
·      Fortaleza;
·      Ciência;
·      Bom Conselho


Nem todas as culturas cristãs celebram estes sete dons tal como acontece aqui no Brasil. Porém, estes sete oferecem uma boa síntese para compreendê-los.
Os Dons do Espírito Santo São Inatos
Para iniciar nossa reflexão, precisamos retornar ao início de tudo: o Livro do Genesis:
“Façamos o homem à nossa imagem e semelhança... Deus os criou; homem e mulher os criou”  (Gn 1,26-27).
Duas palavras se destacam: imagem e semelhança.
Como disse no início, precisaremos experimentar e nomear nossas sensações interiores. Mas, de que modo posso sentir a experiência de ser a imagem de Deus?
·           Posso sentir Deus na harmonia, na precisão da vida, na beleza... Mas, e dentro de mim?
·           Em muitos momentos já senti fazer coisas ou dizer palavras vindas de algum lugar além de mim? Tempos depois, perplexo, pude dizer: como consegui dizer (ou fazer) isso ou aquilo?
De algum modo, a experiência de Deus está presente na vida de cada um. Ela desperta uma sensação transcendente. 
Esta constatação, de que temos uma componente transcendente (espiritual), nos permite afirmar: somos seres espiritualizados. Assim como Deus o é, temos então alguma aparência divina. Houvesse um espelho apropriado, poderíamos visualizar esta imagem de Deus em nós.
Ela se traduz em valores potenciais e universais: Amor, Solidariedade, Bem Comum, Acolhida e infinitamente outros. O que isso tem a ver com os dons? Muito. É nessa dimensão transcendente o lugar onde residem todos nossos dons. A auto descoberta (auto, porque só eu posso descobrir), a tomada de posse e o crescimento desses valores nos darão, cada vez mais, a aparência divina. O projeto é: deixar crescer e se tornar evidente em mim a imagem de Deus.
Jesus – Verdadeiro Homem
 Mas Deus também se fez homem. Homem, de natureza humana, tal como cada um de nós, na pessoa de Jesus Nazareno. Jesus não se fingiu de humano, se fez homem verdadeiro. Jesus concretizou a plenitude da outra palavra: semelhança
As mesmas perguntas feitas com relação à imagem podem ser repetidas. Vamos resumir a uma só: quando me senti (ou sinto) semelhante a Deus?
Blasfêmia poderia dizer algum fundamentalista. Falta de humildade, dirão outros. Será? Acaso tal assertiva não veio do texto Sagrado? Lá bem claro, é só ler: façamos... semelhante.
Voltando à pergunta: sim, em vários momentos já percebi semelhanças de Deus dentro de mim e de muitas outras pessoas. Obviamente, semelhança não significa igualdade. Entre elementos semelhantes, há diferenças de quantidade, amplitude e qualidade, dentre outros paramentos.
Mas. quando ocorre essa sensação de semelhança? Quando me sinto amante, solidário, justo, verdadeiro, leal, bondoso e outros sentimentos positivos.
Da mesma forma, posso perceber semelhantes a Deus pessoas que encontrei pela vida. Outras, onde essas sementes são muito evidentes, foram consideradas santas pela igreja católica. São citadas como exemplares pelos feitos realizados.
A Constatação dos Traços de Deus no Ser Humano
Um dos exemplos narrados no Texto Sagrado é o do chamado jovem rico. Jesus pergunta:
 “Por que me chamas de bom? Só Deus é Bom.” (Mc 10,17).
Aí está. A bondade plena está em Deus. Então o jovem conhecia a bondade e a reconhecia em Jesus – semelhança.
Esta virtude, a bondade, não é adquirida. Vem de dentro. Podemos afirmar: faz parte da natureza humana.
Em qualquer lugar, tempo e cultura a bondade é aceita e reconhecida como valor. É filha direta do amor. Deus é amor.
Esta e outras tantas virtudes estão escritas indistintamente no interior de cada ser humano.
“Dias virão em que firmarei nova aliança... Incutirei minha Lei, gravá-la-ei em seu próprio coração. Serei o seu Deus...“ (Je 31,31;33).
O texto vai além:
“Então, ninguém terá encargo de instruir seu próximo ou irmão, dizendo: “Aprende a conhecer o Senhor”, porque todos me conhecerão, grandes e pequenos...” (Je 31,34).
O que isso significa? Significa que a conduta humana deve ser pautada pela Lei imposta pelo Criador em cada pessoa. Vem de dentro e não de fora. É inata.
A pessoa humana tem em si todos os ingredientes necessários para ser feliz e viver em plenitude. Esta conclusão é basilar da psicopedagogia humanista (Maslow, Rogers, Rochais e outros).
Como Perceber Esses Dons
Se assim é, como então ler, compreender e viver de acordo com essa Lei?
Aí é a vez de o Espírito Santo atuar. É Ele quem as ilumina, faz luz sobre elas de modo a nos instruir com a melhor maneira de viver bem e ser feliz.
O Espírito de Deus atua em nós como uma bússola interior. É ele que dá a direção para melhor caminharmos na estrada da vida.
E como eu posso perceber essa luz e interpretar sua direção?
Simples – Deus é simples - é aquela intuição profunda que me faz ficar em paz, bem comigo e com o meu entorno humano.
Para permitir a boa leitura dessas intuições entram os Dons do Espírito Santo. 
(Até a próxima)

08/04/2012

SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO - A Morte de Deus


Pode Deus morrer? Certamente não. Até incrédulos admitem isto. O conceito de divindade é de plenitude, de infinito. Se for infinito, é também eterno. Logo, Deus não pode morrer. Se morresse, não seria Deus.
Então, o que se celebra na sexta-feira da paixão? Na verdade, é um dia para se experimentar a ausência de Deus. Este é o verdadeiro significado da penitência, do jejum e da abstinência. Tanto é que a igreja católica considera um dia não litúrgico. Em qualquer parte do mundo não se celebra missa[1].
Mas, jejuar e abster-se de que? Aí está o sentido. Não se trata de sofrer, mas de sentir a falta de Deus. Deus não quer sacrifícios, quer conversão. Temos uma natural tendência de parar no sofrimento do Cristo. Mas, isso não basta. Poderíamos correr o risco de nivelá-lo a qualquer outra pessoa vitimada por morte cruel. Ficaríamos apenas no sentimento de pena e de dó. Cristo seria apenas mais um mártir entre outros tantos.
O paradoxal da paixão foi o confronto entre a plenitude da humanidade em Cristo e a total desumanidade de seus algozes. Na solidão da cruz Ele sentiu até o abandono do Pai. Suas palavras soam no original aramaico por milênios: “Eloí, Eloí, lamá, sabactani?” que, traduzido, significa: Deus, Deus, por que me abandonaste?  Aí está: “A ausência de Deus”.
Enquanto o Cristo permanecia fiel ao caráter da natureza humana: com amor (“não chorem...”), fé (“Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” – mesmo se sentindo abandonado), perdão (“eles não sabem o que fazem”), solidariedade (“hoje mesmo estará comigo”) e todas as demais características do verdadeiro homem em plenitude, apoiado nas sementes divinas da essência do humano – qualidades universalmente aceitas, independente do tempo, do lugar ou da cultura.
Da outra parte, seus algozes, usaram da capacidade racional de criar, associar, julgar... para se tornarem pior que os irracionais. Nenhum animal seria capaz de cometer tantas crueldades. Só o extremo da desumanidade poderia crucificar alguém – a pior das mortes até hoje conhecida.
As virtudes próprias do humano foram relegadas: o amor, a solidariedade, a justiça, o gosto pela verdade, o afeto, a lealdade, a defesa da vida, o diálogo em igualdade, a paridade de armas e tantas outras.
Este seria um bom jejum. Em vez da expressão triste da fome ou da hipocrisia da abstinência – ou o “sacrifício” – de se alimentar com sofisticados frutos do mar (bacalhau, camarão...), melhor seria experimentar e sentir a ausência de Deus.
Basta viver momentos de solidão e experimentar a sensação da falta de relações, dos amigos, de pessoas queridas, de não ter com quem falar. Sentir o que seria um mundo sem amor, sem afeto, sem solidariedade, sem justiça, sem a verdade e sem...
Infelizmente, a experiência da perda é que nos faz sentir o valor do que se foi. Acostumamo-nos com nossas verdadeiras riquezas e deixamos de lhes dar o merecido valor. Esquecemo-nos dos tesouros semeados em nosso íntimo e vamos buscar a felicidade em outro endereço fora de nós mesmos.
 A paixão de Cristo nos convida a olhar para o mal e ao mesmo tempo perceber o “bem” que faltou. Hoje, lamentavelmente, a ausência do bem, ou seja: características profundamente humanas - caráter no estrito senso – tem aberto uma lacuna cada vez maior, preenchida pelo mal. Lembrando o velho Einstein: “A escuridão nada mais é do que a falta de luz”.
 Este é o sentido da sexta-feira da paixão: sentir a falta que nos faz os valores divinos que nos tornam humanos. Humanos até o fim como Cristo o foi.
Deus não morreu! Jesus Homem morreu naquele dia pela falta de humanidade. Na Páscoa, Ele ressurge e nos dá a certeza da restauração de um novo tempo a partir de cada pessoa que crê em si e nas sementes de Deus que nela estão.


[1] Paradoxalmente, o pecado mais confessado é o de ter faltado à missa na sexta-feira da paixão.

08/05/2011

JESUS E A SAMARITANA (João 4, 5-42)




SÉRIE “O TEMPO SE CHAMA HOJE”
(Análise humanista)
"Tristes tempos, onde é mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito" (Albert Einsten)



CARACTERÍSTICAS:
  • Texto exclusivo de João;
  • Referência a Jacó e seu filho José;
  • Jesus está cansado, fatigado pela caminhada;
  • Sol a pino: hora sexta (equivalente ao meio-dia);
  • Uma mulher samaritana;
  • Jesus pede: “dá-me de beber”;
  • A água;
  • A numerologia: 5 maridos, mais um igual a seis;
  • A novidade: Jesus toma a iniciativa. Deus agora se adora em Espírito e Verdade não mais em um local determinado;
  • Novo casamento: uma missão, há um novo Reino a anunciar.
PREÂMBULO
Quem é João?
João foi o último a escrever o evangelho. Por isso, a narrativa está distante do tempo em que os fatos históricos ocorreram.
Provavelmente quarenta anos depois ou até mais. Ele costuma se valer de fatos para dizer outra coisa.
Sua escrita é subliminar, inteligente e profunda. Usa muitos símbolos e números para passar sua mensagem.
O texto vai além das palavras, não se atrela a um evento. Sob essa ótica, João é um péssimo jornalista.
Afinal, Jesus estava ou não com sede? Bebeu ou só falou? E a dúvida dos discípulos: Jesus comeu?
Cuidado, alguém pode vir com a velha e falsa premissa de que Jesus, como Deus, não sentia fome. Isso jogaria por terra todo mistério da Encarnação do Verbo (conf. Mt. 4,2; Fl. 2,7; Hb. 4,15).
João inicia a mensagem recordando duas personagens históricas: Jacó e José.
Certamente, não às colocou ao acaso. Jacó, embora escolhido por Deus e convertido para uma nova missão, não era o herdeiro de direito. Ele precisou jogar contra o sistema para ser abençoado pelo pai Isaac.
José, caçula, era o filho predileto de Jacó. Foi excluído e traído pelos irmãos e vendido como escravo. Mesmo assim, soube perdoar e socorrer seus irmãos diante de uma grande fome.
No texto da samaritana, a preocupação é eliminar a discriminação e focar no chamado messiânico.
O Deus revelado por Jesus é sem preconceitos. É ele quem se dirige a um samaritano. Aliás, mais grave: uma mulher samaritana.
Vai além, pede-lhe algo: “tenho sede”.
Um Deus diferente, quebra leis, regras e paradigmas. O foco é a pessoa, a lei é o amor.
Não há espaço para injustiça ou discriminação. O Reino é inclusivo.
Na época de Jesus - e até hoje as coisas não mudaram por lá – os samaritanos eram considerados pecadores, um povo inferior.
A mulher, nem pensar. Seu único direito era servir ao marido e criar filhos.
Uma mulher abandonada ou viúva sem filhos estava condenada a morrer de fome ou à prostituição.
Ela, ao casar, deixava de pertencer à família paterna. Era uma espécie de propriedade do marido.
João sabia bem disso. Ele diz que Jesus, no último instante, entregou sua mãe Maria aos seus cuidados.
A MENSAGEM
João narra o novo processo de conversão: não é mais preciso lutar com Deus ou esperar ser pinçado dentre os justos.
O chamado é universal. Independe de raça, de sexo, de condições econômicas.
Não basta se achar justo ou com direito adquirido por predestinação ou linhagem.
A condição é simples: aceitar a Nova Aliança e ser fiel a ela. Este é o verdadeiro casamento.
João e outros autores bíblicos tratam a aliança de Deus com a humanidade como um casamento.
Jeremias é mestre nisso. Compara o distanciamento do plano de Deus com adultério.
João atualiza esta sutileza: “Falaste bem; 'não tenho marido', pois tiveste cinco e o que tem agora não é teu marido, nisso falaste a verdade” (Jo. 4,17-18).
Esperto esse João. Não faz eco chamar a samaritana de adúltera. Isso já era esperado.
Fosse uma judia, vá lá, mas samaritana... Onde esse João quer chegar?
Olhem só: cinco maridos teve a samaritana e está com outro.
Somando cinco anteriores com atual teremos seis.
O número seis pode significar muitas coisas: o fim de uma obra: Deus fez o mundo em seis dias; uma aliança: humanidade igual a dois (Adão e Eva) com Deus (trindade), duas vezes três é igual a seis.
Parece que a samaritana chegou a dois ápices: o fim da procura (seis dias ou seis não-maridos) e ao meio-dia.
Interessante: meio-dia não é tão tarde (no fim da vida) e nem tão cedo (na aurora da juventude).
O encontro com o sétimo esposo (sete significa infinito, eterno...) é numa hora boa, nem tão cedo e nem muito tarde.
A conversão se dá em solidão. Jesus está só, os apóstolos foram à cidade.
A samaritana também está só, fora buscar água.
Água significa vida. Para João significa purificação e conversão.
Ele costuma materializar a ação do Espírito na água. Jesus, ao morrer, derrama água do seu lado. Derrama o Espírito. Sem água, perdeu a vida.
A conversão é profunda, vem de dentro, não ocorre por euforia, por fanatismo ou por obrigação.
Ela se dá num deserto interior. Um deserto de ideais, de conceitos, sem tumulto. É preciso silêncio. A condição é ter sede. Sede de Vida.
Equivocadamente, temos a tendência de olhar para fora. Julgamos e condenamos a samaritana.
Muitas vezes, elegemos e elencamos outras samaritanas. Ficamos limitados ao adultério supérfluo, quando a verdadeira traição já pode ter ocorrido há muito.
Posso ter traído a aliança, quando abandonei a missão para a qual fui feito.
Outras vezes, nos perdemos na história. Ficamos imaginando figuras e locais passados.
Essas armadilhas nos deixam míopes. Deixamos de olhar para dentro de nós mesmos. Para o real do nosso agir e dos nossos ideais.
Afinal, com quem estamos sendo leais, quais são nossos casamentos (não necessariamente o matrimônio)? E os momentos de nossas deslealdades?
Para Jesus nossa missão é simples: basta ser fiel consigo mesmo. Encontrar a verdadeira identidade interior. Assumir esse compromisso em ser feliz e promover felicidade.
A samaritana descobriu isso: “vinde ver um homem que disse tudo que eu fiz” (sou). Eis o milagre: deixar esse Homem dizer quem sou eu.
Nos só encontraremos isso olhando para dentro. Lá é Deus quem nos fala. A samaritana pode ser cada um de nós. Para mim a samaritana sou eu.
Jesus ou o seu Espírito está dentro. Não precisamos procurar fora. Basta desejar aprofundar no nosso interior. “o poço é profundo. De onde pois tirarás essa água viva?”.
A água viva é o próprio Deus na pessoa do Espírito Santo: “Deus é espírito e os que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade”.
Esse é o sétimo e verdadeiro casamento: encontrar a missão para a qual fomos feitos e nos deixar nos inebriar por ela.
Jesus não nos olha como criancinhas. Não precisamos mais depender de ninguém. Nem de regras ou leis que geram um falsa ideia de dever cumprido ou de alimento para um imagem cada vez mais negativa de nós mesmos.
Somos livres e adultos. Há uma missão inata. Chega de tatear à procura de realizar ideais (casamentos) frustrantes.
Quantas vezes procuramos a felicidade nesses casamentos. Alianças fracassadas e paradoxais.
É paradoxal, pois, se as alcançamos vivemos decepções, se não, nos frustramos.
A felicidade fica cada vez mais longe e investimos em novas aventuras.
Quais são esses casamentos? Toda forma de idealismo aos quais nos colocamos como como finalidade da vida.
São as velhas doutrinas dos sacerdotes de baal: o poder a qualquer custo, o saber tudo, colecionar títulos; o andar na “onda”, na moda, a arrogância, a discriminação, os fundamentalismos legais, ideológicos e religiosos e o mais grave: toda espécie de exclusão, de discriminação e sectarismo social.
Há uma infinidade de outros casamentos: as drogas nobres ou menos nobres: ativismos social, religioso, workaholic, grupos de relacionamento estéreis, regados a alcool.
Enfim, tudo aquilo que nos distancia da realidade, do sorriso de uma criança, de um abraço caloroso, de uma visita vitalizante, de uma escuta ativa e outros.

A PROPOSTA

O problema não é o que se faz. Obviamente, vivemos num mundo exigente e Jesus não nos propõe viver à margem dele. O que se destaca é o fim, o propósito de tudo o que fazemos.
A velha frase (atribuída a santo Antônio) faz sentido: “digas-me o que faz na maior parte do seu tempo e eu te direi onde está o seu deus”.
A aliança proposta por Jesus não frusta. Traz alegria. Convida a um profetismo gratificante.
“A mulher... deixou seu cântaro e correu à cidade... Eles saíram da cidade e foram ao seu encontro”.
O testemunho é eficaz: “..., pedindo-lhe que permanecesse com eles... Já não é por causa do que tu (a mulher) falaste que cremos. Nós próprios o ouvimos, e sabemos que é verdadeiramente o Salvador do mundo”.
Quem isso experimenta tem a mesma sensação da samaritana. Dá gosto ir a cidade e dar testemunho desse encontro.
Ninguém consegue beber dessa fonte e não sair por aí gritando de alegria.
E tal como o povo de Sicar, não gera dependência de alguém. Permanece nela pelo seus próprios sentimentos.
Ingenuidade? Claro que não. Eu mesmo sou testemunha. E não estou só nessa caminhada.
Há uma multidão comigo, alguns distantes, outros muito próximos: minha esposa e grandes amigos são exemplos concretos.
Lavagem cerebral? Claro que não. Sinto que sou o que sou e não o que esperam de mim.
Sinto-me cada dia mais autêntico, mais tolerante, mais humilde e dentro de uma missão clara: ajudar outras pessoas a serem elas mesmas e a construírem ambientes mais humanos e felizes.
CONCLUSÃO
Este é, sem dúvida, o alimento que sacia minha fome e minha sede: estar em comunhão com essa multidão, guiado unicamente pela luz interior que vem do alto.
Portanto, não é uma história distante, ocorrida com outros. Ela é presente e me convida a refletir.
Quantas vezes em minha vida, Jesus pode ter dito: - “Dá-me de beber”?
Quantos maridos (esposas ou melhor: alianças) eu já tive?
São questões passadas, hoje vale o único tempo controlável: o tempo presente.
Sem dúvida, a samaritana de hoje sou eu.